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Boneca.

Um dia me disseram que os brinquedos eram como as pessoas. Que eles tinham sentimentos. Que não podia atirá-los em qualquer canto. Que não devia abandoná-los depois de me divertir.

Levei tão à sério essa história dos brinquedos…
Nunca esqueci um lego fora da caixa. Nunca guardei uma panelinha suja. Nunca perdi peças do quebra-cabeças. Nunca deixei uma boneca nua.

Disseram isso pra que eu fosse uma guria boa, decerto.
Acertaram.

Mas e agora, o que faço com todo esse zelo?
Quem sabe deva colar etiquetas no peito e sentar em alguma estante: Preço baixo: Boneca de linha ultrapassada: Vestido fora de moda: Cabelos amassados: Sapatinhos furados.

Quem sabe… brinqueda que sou, ainda divirta alguma criança do mundo…

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Leve o que quiser.
Parte de mim quer te ver feliz.
Parte de mim te expulsa. Te perde.

– – –


O último a sair, apaga a luz.

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garoa madrugueira

_quem era ele? É aí de PF?
_não, daí de SM.
_ficante? Namorado? Amante?
_um pouco de cada…
_humn… pq não tinha me contado?
_não sei se tu precisava saber…
_bom, tu que sabe…
_não precisamos falar sobre isso.
_é que foi estranho.
_estranho o quê?
_sei lá, nós quatro.
_tudo bem que esteja tudo bem, mas não seremos casais de dividir a mesa do bar, aliás, nem de dividir o bar, quanto muito a cidade.
_não foi isso que eu disse.
_mas ia dizer.
_é.
_isso.
_tá, mas quem ele é?
_ele gosta de cinema. e sabe das coisas que gosta.
_ah, ta feliz então?
_às vezes. artistas não são sempre felizes.
_gosta dele?
_gosto.
_tu não imagina como eu fico feliz em saber que tu ta bem.
_eu não disse que to bem.
_então?
_sim, eu to bem. Esquece.
_não… eu quero que te façam bem como eu não pude.
_é, eu também quero, que me façam, no plural, tu disse?
_ah carla, pára. mas, estranho aquele dia…
_pra mim nem foi. Achei que ia ser pior. Me sinto bem. Assim, desvinculada, sabe? Te acho um chato. Deixou a guria de lado e dominou a conversa. Dominou. Tu acha que as pessoas gostam disso? Eu precisava mesmo me afastar um pouco pra perceber as coisas diferentes que a gente tem.
_hehe, como assim?
_isso, por exemplo. não levar um coração à sério. Tu é muito menino pra entender isso.
_ah, e tu é muiiiito adulta.
_é, mais que tu sim.
_tá bom. não vou discutir.
_cagado.
_é.
_sempre foi.
_agora é diferente.
_duvido.
_e no mais?
_tenho escrito poemas e inventado acordes.
_ah é?
_aham. quero mais música nessa vida.
_opa.
_opa o que?
_tá usando drogas?
_poucas.
_estranho…
_o que?
_tu. daqui a pouco me diz que vai ter uma banda.
_é, vou. já sei segurar o baixo.
_ó.
_poizé.
_depois me dá um CD autografado?
_tu acha q eu ia estragar uma capa?!
_ah… bem pequeninho…
_tu não ia ter tempo de ouvir.
_hehe. mas podia usar de trilha pra algum filme.
_vai nessa.
_que bom.
_o que?
_tu assim, feliz.
_também acho.
_flores no cabelo?
_não.
_nossa, não falo mais nada.
_talvez seja melhor. ta na hora de menina ir pra cama. Cuide-se muito.
_cuide-se mais.
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Precisava comer uma pizza. De quatro queijos. Com a bordinha queimada. Precisava comer assistindo um seriado. Não tinha seriado. Não tinha TV. Ok. Pizza e coca. Oba. Sadia em promoção. Pizza e coca. Na hora da coca uma moça enfiada no freezerfalava sozinha: “mais pro fundo, mais geladinha, mais geladinha”. Tinha o carrinho cheio de latinhas de bohemia e uma daquelas cervejas caras e gostosas, de trigo, que a gente só compra pra dividir com alguém especial. Pendurada no freezer, cantava… no freezer repetia alguma coisa, feliz. Deu-se conta da minha observação, sorriu de canto, derrubou uma coca e repetiu: “essa é mais geladinha”.

Deve estar apaixonada. Tão linda atrás dos óculos de armação dourada e cafona. Tão feliz embaixo dos cabelos de quem lava com sabão. Tão ela. Tão bem.

E eu tenho uma pizza de quatro queijos no forno. Uma coca zero. Flores no cabelo e os pés geladitos. Uma noite ideal pra seguir o artigo antigo.

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abriu a porta da sacada na manhã fria
só pra observar
mas a vida lá em baixo sorria tanto
que exausta
ela teve que se jogar.

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+

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testes

Cecília sempre chorava antes dos testes da escola. Tinha medo de decepcionar os pais. Tão dedicada, pobre Cecília. Estudava mais do que qualquer criança da idade dela. Estudava mais do que qualquer um, aliás. Tirava A+ em todos os testes, e ainda assim chorava antes. Era como um ritual. Estudava, estudava e na noite que antecedia a manhã do teste a menina chorava. Os pais a levaram ao psicólogo, que não diagnosticou nada além de excesso de preocupação. Cecília sempre exigiu demais de si mesma. E nunca fez isso com ninguém. Conforme foi crescendo e conhecendo o mundo, foi deixando de chorar antes dos testes. Foi para o secundário, chorou duas vezes, que se lembre. Continuou com seus positivos e preocuapações, mas deixou de chorar. Foi no vestibular que ela voltou a chorar. A situação exigia… Chorou pouco, e tomou um trago comemorativo. Daí em diante, chorava por tudo, menos pelos testes.

Ontem ela me ligou. Chorando. E disse: preciso fazer um teste. Pensei, ora bolas, menina, mas teste? Já é uma “mulher feita”, pra que? Ela contextualizou.
Ah, Cecília. Chora menina, chora e pega na minha mão, que é tua e só tua. Cecília fez um teste, seu primeiro resultado negativo. Feliz. Fez o segundo. Segundo resultado negativo. Feliz.
Cecília ligou de novo. Andava tonta e febril. Amanhã fará um novo teste. Precisa de uma mão. Chora, chora menina… chora pela nota vermelha que virá. Chora pelo negativo mais positivo da sua vida.

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blérght!

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pára
nóica.

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– Morom com a Sete, por favor.
– Pois não.

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– Essas ruas andam tão esburacadas…
– Pois é, não são só as ruas.
– Ah eh?!
– difícil explicar…
– Mas a tua sorte, moça, é que tu é assim, branquinha, aparentemente tem uma vida boa.
– Pareço ter uma vida boa?!
– Pois sim, com essa malona.
– Transporto corações congelados, aí preciso de bastante espaço pra colocar os isopores e tudo mais…
– Ta de sacanagem, né?
– to.
– Mas é isso, se tu não é branco e aparentemente bem de vida, bem resolvido, os caras te espancam.
– Que caras?
– Os porcos, principalmente nas madrugadas… eu que trabalho de noite vejo muita coisa que vocês, que moram pelo centro, não vêem.
– Pois sim, a gente só supõe a dor dos outros e escreve…
– Tu é escritora, moça?
– Não…
– Estudante?
– Não…
– Que tu faz em Passo Fundo?
– Eu to de passagem. Eu gosto de morar numa casa colorida e de ler.
– Bacana… Eu gosto de dirigir, sabe? Meu nome é Evandro, mas todo mundo me chama de Alemão.
– Prazer, Carla.

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– Posso te dever quarenta centavos?
– Rum. Começou o abuso.
– Vou deixar o cartão, pra tu cobrar na próxima.
– Ta certo, boa noite.

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E ele deixou a mala com os corações congelados dentro do elevador, quase despenquei com ela. Evantro, entre parênteses, alemão. Um carrão dos 50’s no cartão, borda do word, papel bagaceiro desses que imitam textura de linho. Vou ajudar esse Evandro. Quem sabe ganho umas corridas.

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Tiraram a Peixa Letícia Amarela da entrada do Quebec. E agora? Como identificar a minha morada?

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Tentava focar as linhas da Piauí com a luzinha do ônibus quando um jovem Carismático sentou do meu lado.

– Tu é de Passo Fundo?
– Não.
– Ah, ta indo de viagem?
– Não, trabalho.
– A gente é de Londrina, ta viajando junto.
– Percebi pelas mochilas coloridas e alegria do fundão.
– hehe, incomoda?
– Não, já fiz muito disso.
– Por Jesus também?
– Não, querido, por mim.

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– Quem vai desce no Notre Dame?
– Ganha desconto?!
– Heim?!
– Um táxi do Notre Dame até a Rodoviária dá quase dez pila. Se tu descontar isso da passagem eu paro ali.

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Engraçadinha eu, muito engraçadinha.

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Bananas congeladas na geladeira. Conta de luz de cinqüenta e quatro pila na caixinha. Festa no vizinho. Sono. De volta em Passo Fundo, melhor a cada dia.

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Pensou em dormir na cama dela.

Quanta ansiedade… QUANTA ANSIEDADE. E se, e se, e se, e se. Não pode. Não dá. Não é possível. Não. Não. Não. Ok. Não era. Vamos esquecer isso e dançar ao som dos acordes repetidos do DCE. Solidão. Frio. Samba. Zippo na cereja. Amigos. Meus. Queridos. Cerveja. Não é. Esqueça isso e dance, dance. “Poxa, mas que bom que tu volta guria, vamos fazer aquela animação?!”, “Sempre te vejo no ocupado ali, às vezes penso em falar contigo”, “ai guri, coisa boa tu por aqui”, “viena é uma cidade pra velhos”, “ah, buenos aires…”, “não, não quero um pega”, feliz.
Viu o cachecol vermelho. Dela. O cachecol. Tomar posse do que é dela?! Mas como?! Barreiras. Não dela. “Olha, eu…” “tudo bem” “mas é que” “tudo bem” “conversar?” “vomitar” “casa” “dormir” “filme” “dormir”. Quanta ansiedade… QUANTA ANSIEDADE. E se, e se, e se, e se. Não pode. Não dá. Não é possível. Não. Não. Não. Ok. Não era. Vamos dormir.

Ir embora. Bora. Bora. Bora pra onde? Bora do que?!
Massas folhadas e notícia boa. Melhor notícia do dia. Tudo calmo. Tudo em paz. Como supunha o otimismo dela. Ficar juntinhos. Juntinhos juntinhos até dormir de novo.


um pouco de leveza.


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Pelo menos percebeu que não sofre do mal do boomerang. Levou pedradas, mas defendeu no peito. Apertou a mão tão parecida com a dela e poderia ter dançado feito bailarina a noite inteira, ele tivesse dado corda.

o próximo passo é entender que talvez o som da caixinha que traz não seja suficiente.

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