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Ervilhas

A questão é que ela nunca soube exatamente o que queria, nunca soube muito bem como é que as pessoas podiam decidir pelo caminho da direita sem conhecer o da esquerda. Acha que decidir é desperdiçar oportunidades. Quando entrou no ônibus foi logo para o fundo, assim não teria de ceder o lugar às velhotas emperiquitadas. Uma vez, indo pra universidade, ela viu uma velha cair. Teme envelhecer e não ter dinheiro para pagar o enfermeiro, o motorista e o médico domiciliar. Sabe que não vai precisar de tanto apoio, já que será uma velhota sexy- safada-e-esperta. Na família dela ninguém tem alzheimer. Morre de medo de alzheimer. Acha que é um desperdício de vida. Prefere morrer. Mas preferir é escolher e o próximo passo depois de escolher é decidir. E decidir, finalmente, é desperdiçar oportunidades. Nesse caso, seria desperdiçar vida. Mas que merda de vida é uma vida sem lembranças? Acha que as pessoas são infelizes porque a comodidade do caminho escolhido conduz à frustração. A melhor época foi a da universidade, quando aquela montanha de oportunidades cintilavam e se exibiam nos murais do corredor feliz. O desespero por um caminho seguro e mapeado nos conduz à mediocridade. Foi incrível quando se deu conta disso. Sentiu uma enorme tristeza, sentada sobre os próprios pés, com os olhos inchados e vazia de tudo. O amor é fundamental, mas a busca desesperada pela felicidade idiotiza o mundo. Tem dó. Perdoa. Decide desprezar as ilusões e seguir o caminho das setas.

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metade direta do cérebo congelada, com alecrim

e se fechássemos os olhos neste instante assim mais forte um pouco mais forte encolhendo os lábios de tanta pressão nas pálpebras que cor você vê? eu vejo amarelo na verdade eu vejo um pouco de amarelo sobre o preto não não sei o que isso significa talvez ânsia,

tinha que ser proibido conhecer pessoas interessantes quando se está saindo de uma cidade, da última vez que aconteceu com uma amiga, ela voltou pra cidade de onde havia acabado de sair. essas coisas do coração, sabe? eu me proibo, eu me nego. hahahahaha. medrosinha, vai lá, toma o café, não vai morrer.

e tu jah tentou pressionar os dentes os terceiros molares contra os terceiros molares até sentir uma dor e ouvir um zunido agudíssimo? é engraçado porque parece que tem alguém coletando sangue do teu braço enquanto tu sobes a serra e o ouvido fica meio tapado sabe mas engolindo uma saliva bem grande destranca,

eu só digo essas coisas, porque é muito mais fácil não ter apego. tu já não tem mais objetos pra se apegar, né? o que tu tem nas mãos agora?

quando faz muito frio eu penso que as mãos vão congelar e que os dedos vão se desprender delas tipo aqueles gelos pontudos que nascem nos congeladores das geladeiras como se fossem uns picos de cavernas secretas da terra do papai noel

a mochila e o destino. umas vezes a gente tem que ir embora não pra ganhar mais dinheiro, trabalhar menos ou ter vida mais fácil. a gente tem que ir embora pra se renovar. não que todas as pessoas necessariamente tenham que se renovar e ficar indo embora. a gente tem que ir embora pra procurar. só isso. sabe?

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malígno gênio enganador

ele a evoca em pequenas pinceladas, pois em seus sonhos ela é do tempo das qualidades sensíveis que detém o que ele quer segurar – como seguramos o copo de cerveja depois da terceira garrafa – por muito mais tempo que uma história. um tempo que ele encerrou naquele lugar que ocupa todo o intervalo a frente do seu presente, acima do seu passado, com suas flores perfumadas e árvores carregadas de frutos.

até quando? – perguntamo-lhe nos, os desacreditados, os mutilados, os escalavrados e abandodados do amor.
até que me permita sonhar. – responde ele, tão rude, tão sério, tão ingênuo e tão fiel, baixando levemente o rosto e olhando para trás do próprio ombro direito, retomando o pincel, farto de nossas presenças.

no entanto, pressente-se o risco – um concluio, uma trapalhada – e compreende-se a prudência de Freud.
Me voy, buena suerte y hasta luego.

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respiração coletiva

pode parecer petulante, mas considero que posso fazer qualquer coisa se me dedicar a ela com a constância na qual respiro. não importa o tempo que leve, se consigo visualizar na realização da coisa um objetivo concreto (na frente daquele absurdo que sempre – sem-pre – me atrai) e tiver esse fôlego para respirar e construir, respirar e construir, respirar e construir, eu vou fazer. já disse, não importa o tempo que leve. acredito que existam outras pessoas como eu, dessas que podem fazer qualquer coisa a partir do esforço de respirar pela coisa. isso é bonito, mas muitas vezes nos deixa com pouco ar – e a gente sempre reclama, mas não vai parar nunca, mesmo com pouco ar. a responsabilidade que pessoas como nós – essas que conseguem respirar por coisas que não sejam a própria vida – sentem é acentuada, porque os seres deste tipo não saber ser o contrário. a nossa espécie respira e é responsável por coisas, que a outros olhos podem parecer ridículas, de maneira involuntária.

algumas vezes conversei com pessoas iluminadas – destas que acreditam em almas, missões, horóscopos e energias (e sim, para mim são iluminadas porque entendem de uma coisa pela qual eu não tenho coragem de respirar) e elas confirmaram essa minha “maleabilidade funcional”, sou o tipo de gente que está sempre em terreno fértil. isso só aumenta a responsabilidade que eu sinto em relação ao mundo. alguém com “facilidade” para lidar com todas as coisas deveria ser mais útil que eu, não?! o texto tá parecendo petulante? se tiver me avisa, porque na verdade é pra ser um desabafo resmunguento. Pensa comigo: IF SO, I AM THE BEST, o que acontece se eu rateio? ãm? despencarão as núvens do paraíso e a humanidade fenecerá?

(apaguei o último parágrafo pra continuar depois). (to ficando duh~~)

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resposta

quando da primeira noite, ele mostrou seus filmes, ela deu graças a deus! eram bons. gostavam de se deitar emaranhados. quando ele não aceitou que fizessem planos e se disse em paz com a separação, ela soube que seria coisa de vida inteira, ainda que no vazio. quando se encontraram pela primeira vez, ela não teve medo, nem se percebeu encantada. gostava de acariciar o braço dele. as coisas ficaram penduradas no quarto dele, junto aos livros. achou que ele estava sofrendo. durante um bom tempo ela ficou deitada, talvez meses, os olhos teimando em só enxergar lembranças. no apartamento dele não havia espaço para a vasilha do cachorro. soube-o dançando em noite de alegria. queria que ela dormisse lá com ele. às vezes ela não conseguia. tinha uma casa e um sonho. entre débeis tentativas de esquecimento, queria tê-lo entre suas pernas. ele vivia entre o dever e a culpa. essa era a visão dela. ele propunha que se tornassem amigos. ela ainda pesava 41 quilos. aprendeu a forçar o ar para dentro de seus pulmões.

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FOI ENCONTRADO UM BOTÃO DE OURO ENVELHECIDO

Com aproximadamente 1,5cm de diâmetro e pesando menos de 15g, o botão foi encontrado, por volta do meio-dia do dia 25 de setembro de 2007, na Rua Astrogildo de Azevendo, quase esquina com a Rua do Acampamento, em direção à Riachuelo (desceeeendooo!). Carla Arend, publicitária de 21 anos, declarou à imprensa que avistou o botão a, no mínimo, 4 metros de distância. “Brilhava muito e emitia sons eruditos”, contou-nos, entusiasmadíssima a jovem que acabara de batizar o botão de “Blanc”.

Enquanto o proprietário do botão não procura-la e provar que é o dono, Carla Arend promete não entregar o botão a ninguém, nem sob ameaças judiciais. Disse que esses presentes mudam o rumo da vida de qualquer indivíduo e que não considera justo que sejam afastados, a menos que eles – referindo-se aos presentes – desejem.

Carla Arend aproveitou o intervalo do almoço para fazer compras com o botão e mima-lo com muitos carboidratos. Não foi trabalhar esta tarde e planeja viajar com “Blanc” na próxima semana. “Quem sabe para Dilermando de Aguiar”, acrescentou a garota com os olhos cheios de esperança e amor.

Bacana, romântica e delicada, Carla Arend nos enviou esta nota alertando que servirá para puro descargo de consciência, afirma ter certeza de que “Blanc” foi abandonado e saberá valoriza-lo mais do que qualquer outra pessoa.

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cordodia

Vindo pro trabalho uma vitrine me faz parar: “mês do azul”, descontos de até 70% nesses tons. Como não poderia ser diferente, entrei.

_pra você, moça?
_só vou dar uma olhadinha…
_fica a vontade.

O gozado é que os púrpuras, com o dobro do preço estavam misturados com os azuis. Eu sei que é só uma questão de pigmento, mas não podem desvalorizar tanto assim. Remexia nos verdes quando voltou a moça:

_um suco?
_ah, sim!
_laranja, vermelho ou roxo?
_não tem amarelo?
_acabou.
_me dá um roxo então.

Gosto do atendimento dessa loja. Voltou a moça com o suco roxo e uns biscoitos brancos. Deliciosos. Na minha cestinha, um punhado de azuis, 4 pretos puros, um 70% de preto e outro verde.
Já estava quase saindo quando vi no alto o amarelo. Único. Ímpar mesmo. O suco roxo caiu, as bolachas viraram migalha… larguei a cesta e subi a escada de madeira de drograria antiga até o amarelo. Me apaixonei.

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delicadeza

proibida.
Suspiros secretos.
Desejos contidos.

Honestamente minha.
Minha menina dos olhos tristes.
Minha primeira gérbera da primavera.

delicadeza proibida.
Suspiros secretos.
Desejos contidos.

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testes

Cecília sempre chorava antes dos testes da escola. Tinha medo de decepcionar os pais. Tão dedicada, pobre Cecília. Estudava mais do que qualquer criança da idade dela. Estudava mais do que qualquer um, aliás. Tirava A+ em todos os testes, e ainda assim chorava antes. Era como um ritual. Estudava, estudava e na noite que antecedia a manhã do teste a menina chorava. Os pais a levaram ao psicólogo, que não diagnosticou nada além de excesso de preocupação. Cecília sempre exigiu demais de si mesma. E nunca fez isso com ninguém. Conforme foi crescendo e conhecendo o mundo, foi deixando de chorar antes dos testes. Foi para o secundário, chorou duas vezes, que se lembre. Continuou com seus positivos e preocuapações, mas deixou de chorar. Foi no vestibular que ela voltou a chorar. A situação exigia… Chorou pouco, e tomou um trago comemorativo. Daí em diante, chorava por tudo, menos pelos testes.

Ontem ela me ligou. Chorando. E disse: preciso fazer um teste. Pensei, ora bolas, menina, mas teste? Já é uma “mulher feita”, pra que? Ela contextualizou.
Ah, Cecília. Chora menina, chora e pega na minha mão, que é tua e só tua. Cecília fez um teste, seu primeiro resultado negativo. Feliz. Fez o segundo. Segundo resultado negativo. Feliz.
Cecília ligou de novo. Andava tonta e febril. Amanhã fará um novo teste. Precisa de uma mão. Chora, chora menina… chora pela nota vermelha que virá. Chora pelo negativo mais positivo da sua vida.

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caraleo

Fazia tempo que não tinha a cara enfiada no teclado. Acordou meio assustada, pés congelados e um TGHYJUKILO na bochecha esquerda. Caraleo, pensou a guria, são quatro e meia da madrugada mais fria e eu ando sem meias. Caminhou até o sofá, derramou a garrafa de vinho, soltou mais um caraleo, se embrulhou em algum casaco e dormiu até agora.

Acordou de novo. Sol na cara. Meias-sujas-embriagadas. Cinzas. Livros. Meio-artigo. Meia-mochila-de-viagem. Meia-manhã. Caraleo, disse a moça de novo, feliz com o sucesso da festinha dela mesma. Caraleo dizia enquanto vestia a primeira roupa e se preparava pra sexta de quarta!